Populismo a Ocidente
É apenas um ligeiro exagero afirmar que, pelo menos até agora,
o populismo é o principal fenómeno político do século XXI. Não há um
dia que passe sem um artigo proeminente acerca do aumento do populismo
na Europa e na América do Norte – para não falar da América Latina. Da
Grécia, passando pela Noruega, até aos Estados Unidos da América,
pensa-se que populistas de esquerda e de direita desafiam os partidos e
políticos convencionais, chegando mesmo a ameaçar a democracia. De
facto, já em Abril de 2010, o na altura Presidente da União Europeia
(UE), Herman van Rompuy, numa entrevista ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung,
tinha chamado ao populismo “o maior perigo para a Europa”. Mas o que é
populismo? E será que está mesmo a pôr as democracias ocidentais em
perigo?
A VOZ DO POVO?
No debate público, o populismo é principalmente usado para denunciar
uma forma de fazer política que utiliza (uma combinação de) demagogia,
liderança carismática ou um discurso de Stammtisch (café).
Nenhum dos três reflecte o entendimento correcto de populismo. Enquanto
alguns populistas podem prometer tudo a toda a gente (i.e. demagogia) ou
falar numa linguagem simples, vulgar até (i.e. discurso Stammtisch),
muitos não o fazem. Mais importante ainda é o facto de muitos políticos
não-populistas também o fazerem, especialmente em campanhas eleitorais.
Da mesma forma que, enquanto alguns populistas bem-sucedidos são
líderes carismáticos, outros não o são, e muitos não-populistas
(bem-sucedidos) também são carismáticos.
Como alternativa, o populismo é mais bem definido como uma ideologia thin-centered,
que considera a sociedade como estando fundamentalmente separada em
dois grupos homogéneos e antagónicos, a “população pura” e a “elite
corrupta”, e que argumenta que a política deve ser uma expressão da
vontade popular (volonté general) do povo. Isto significa que o
populismo é uma visão particular de como a sociedade é e com deveria
ser estruturada. As suas características essenciais são: moralidade e
monismo. O ponto chave é que o populismo vê ambos os grupos como
homogéneos, i.e. sem divisões inter-nas de maior grau, e considera a
essência dessa divisão entre os dois grupos como moral.
Contrariamente ao que os seus defensores e oponentes dizem, o populismo
não é nem a essência nem a negação da democracia. Em suma, o populismo é
pró-democracia, mas contra a democracia liberal. Apoia a soberania
popular e a regra da maioria, i.e. democracia, mas rejeita o pluralismo e
os direitos das minorias, i.e. liberalismo. O populismo não é nem de
esquerda nem de direita; aliás, o populismo pode ser encontrado tanto na
esquerda como na direita.
Isto deve-se ao facto de o populismo visar apenas uma parte limitada duma agenda política mais ampla. Por exemplo, não nos diz muito sobre o sistema político ou económico ideal que um estado (populista) deve ter. Por conseguinte, raramente existe numa forma pura, no sentido em que a maioria dos actores populistas combinam populismo com outra ideologia. Esta chamada ideologia de acolhimento, que tende a ser muito estável, pode ser de esquerda ou de direita. Geralmente, os populistas de esquerda combinam populismo com uma interpretação de socialismo, enquanto os populistas de direita o combinam com uma forma de nacionalismo.
SUCESSO NA EUROPA
Embora o populismo tenha uma longa história na Europa, remontando aos Narodnik
da Rússia do século XIX, tem sido um fenómeno político marginal. A
Europa pós-guerra presenciou muito pouco populismo até á década de 90.
Existiu o pujadismo na França do final da década de 50, os partidos
progressistas noruegueses e dinamarqueses nos anos 70, e o PASOK na
Grécia dos anos 80, mas todos estes movimentos foram em grande parte sui generis,
em vez de parte de um momento populista mais amplo. Isto mudou com a
subida da direita populista radical mesmo no final da década de 80.
Embora os partidos mais antigos deste grupo, como a Frente Nacional
(FN), em França, e o Bloco Flamengo (actualmente Interesse Flamengo,
VB), na Bélgica, tenham começado como partidos elitistas, cedo adoptaram
a plataforma populista com slogans como “Nós Dizemos o Que Vocês
Pensam” e “ A Voz Do Povo”. Nos últimos anos, um novo populismo de
esquerda tem emergido, particularmente no sul da Europa.
A imagem lista os partidos populistas mais importantes da Europa nos dias de hoje – apresentando só o partido mais bem-sucedido em cada país. A terceira coluna dá o resultado eleitoral da mais recente eleição europeia, de Maio de 2014, que varia entre 51,5% e 3,7% do voto – note-se que países sem um partido populista bem-sucedido foram excluídos (ex. Luxemburgo, Eslovénia ou Portugal). Em média, os partidos populistas ganharam 12,5% do voto nas últimas eleições europeias; não será irrelevante, mas dificilmente é o “terramoto político” que os media internacionais noticiaram.
Uma melhor compreensão da relevância eleitoral e política dos partidos populistas é fornecida pelos resultados das mais recentes eleições nacionais (até 2015). A quarta coluna mostra o resultado do partido populista mais bem-sucedido do país, a quinta coluna o seu ranking entre os partidos nacionais, a sexta o apoio eleitoral de todos os partidos populistas no país e a sétima coluna a mudança do voto populista nacional total entre as eleições nacionais mais recentes e as anteriores. Estas são as lições mais importantes a reter.
Em primeiro lugar, os partidos populistas têm bons resultados
eleitorais na maior parte dos países europeus. Em cerca de vinte países
europeus, um partido populista ganha pelo menos 10% do voto nacional. Em
segundo lugar, a junção de todos os partidos populistas regista uma
média de 16,5% do voto nas eleições nacionais. Isto varia de uns
surpreendentes 65% na Hungria, partilhados entre o Fidesz e o Movimento
para uma Hungria Melhor (Jobbik), para 5,6% na Bélgica. Em terceiro
lugar, enquanto a tendência geral é ascendente, a maior parte dos
partidos populistas são eleitoralmente voláteis. Poucos partidos
populistas têm sido capazes de se estabelecer como forças políticas
relativamente estáveis no seu sistema nacional de partidos. Em quarto
lugar, existem grandes diferenças transnacionais e transtemporais dentro
da Europa. Enquanto alguns partidos populistas são recém-fundados (ex:
M5S e Podemos), outros existem há décadas (ex.: FPÖ e SVP).
Semelhantemente, ao passo que alguns partidos estão em ascensão (ex.:
Syriza e UKIP) outros estão em queda (ex.: PP-DD e VB).
Quando nos focamos apenas na minoria dos países europeus onde o
populismo é um fenómeno político maior, há quatro importantes conclusões
a tirar. A primeira é que há seis países em que um partido populista é o
maior partido politico – Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Eslováquia e
Suíça. A segunda é que os partidos populistas ganharam a maioria dos
votos em três países – Hungria, Itália e Eslováquia. No entanto, em pelo
menos dois destes países os principais partidos populistas opõem-se
fortemente à colaboração. A situação na Hungria é a mais óbvia, já que
tanto o principal partido do governo (Fidesz) como o principal partido
da oposição (Jobbik) são populistas. A terceira é que, em Abril de 2016,
os partidos populistas encontravam-se no governo nacional de oito
países – Finlândia, Grécia, Hungria, Lituânia, Noruega, Polónia,
Eslováquia e Suíça. A Grécia é um caso único, pois tem um governo de
coligação populista composto por um partido populista de esquerda e
outro de direita. A quarta, e final, é que em seis países um partido
populista representa uma parte dos partidos políticos estabelecidos –
Hungria, Itália, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Suíça.
TRADIÇÃO NA AMÉRICA
O populismo tem uma longa tradição na América do Norte, que data dos US
Populists, do final do século XIX, e dos “populistas da pradaria”
americanos e canadianos do início do século XX. Enquanto nos Estados
Unidos o populismo permaneceu maioritariamente um movimento, com forte
suporte popular mas com fraca organização e liderança, no Canadá foi
mobilizado através de uma variedade de partidos políticos –
particularmente o Social Credit Party of Canada, de Ernest Manning, e o
Reform Party of Canada, do seu filho, Preston Manning.
O populismo tem desaparecido em grande parte da política canadiana,
mas regista uma explosão nos Estados Unidos do século XX. Apoiando-se em
amplas queixas e estruturas de raiz popular, o populismo de esquerda e
de direita emergiu com uma maior força como consequência da Grande
Recessão e, particularmente, das altamente controversas políticas de
resgate do presidente George W. Bush, que foram continuadas pelo seu
sucessor, o presidente Barack Obama. Embora os dois movimentos
populistas tenham muito em comum, diferem fundamentalmente em alguns
assuntos chave.
O populismo de direita encontrou o seu veículo no Tea Party, um amplo movimento de grupos grassroots (movimentos de base) e astroturf – grupos profissionais que se disfarçam de grassroots
– que englobam desde libertários a conservadores sociais chegando à
extrema-direita. Como todos os principais movimentos populistas de
direita na história dos EUA, o Tea Party combinou populismo com o producerism
(ideologia baseada na ideia de que só a produção de bens tem valor), em
que a classe trabalhadora americana (branca) se encontra apertada entre
uma elite corrupta acima e uma subclasse parasita (não-branca) abaixo.
Enquanto alguns activistas Tea Party rejeitam os dois maiores partidos
políticos americanos, a maioria apoiou o Partido Republicano, também
conhecido como GOP (Grand Old Party). Sob a pressão de grupos astroturf
e media de apoio, como a Fox News, o Tea Party tornou-se largamente um
grupo de pressão populista de direita dentro do GOP, utilizando o
sistema de primárias para substituir os chamados RINOs (Republicans In
Name Only) pelas “verdadeiras vozes do povo”.
O populismo de esquerda, muito menos influente na segunda metade do
século XX, encontrou a sua voz no movimento Occupy. O que começou com
uma ocupação do parque Zuccotti, perto de Wall Street, na cidade de Nova
Iorque, tornou-se um protesto nacional e até global. Afirmando
representar os (puros) 99% contra os (corruptos) 1%, o movimento Occupy
combinou populismo com uma série de causas progressistas. Apesar de o
Occupy ter sido explicitamente inclusivo, particularmente no que a
minorias étnicas e raciais diz respeito, a verdade é que permaneceu
largamente um movimento da classe média branca – com a excepção de
alguns grupos locais, sendo o mais notável o Occupy Oakland, na
Califórnia.
Embora ambos os movimentos, Occupy e Tea Party, tenham perdido impulso como movimentos grassroots, particularmente a nível nacional, deixaram legados importantes na política americana. Políticos dos dois partidos têm usado discursos dos dois movimentos, especialmente durante as primárias para a eleição presidencial de 2016. Dentro do campo republicano, a maioria dos candidatos reivindica o legado do Tea Party, incluindo os dois principais concorrentes, Ted Cruz e Donald Trump, embora nenhum seja um verdadeiro populista. Igualmente, embora a agenda de Bernie Sanders tenha muito em comum com a do movimento Occupy, especialmente a luta contra o “1%”, o próprio Sanders é bastante mais um democrata social do que um populista de esquerda moderno. Enquanto Sanders usa um discurso maioritariamente não-moralista para se opor às elites, Trump é exclusivamente a vox Trump em vez da vox populi.
AS RAZÕES DO SUCESSO
Dado o imenso interesse académico prestado ao populismo, seria possível pensar que compreendemos bem por que razão os partidos populistas são bem-sucedidos e, até mais especificamente, em que circunstâncias crescem e decaem. As teorias mais populares são geralmente demasiado vagas e amplas. Embora “crise” e “globalização” possuam alguma relação com o aumento do populismo, “globalização” está relacionada com tudo e “crise” é geralmente indefinida e usada simplesmente quando um partido populista se torna bem-sucedido (tornando a “teoria” tautológica). As seguintes seis razões são também algo amplas, e até certo ponto vagas, mas indicam alguns factores importantes que abordam tanto o lado da procura como o lado da oferta das políticas populistas.
Em primeiro lugar, grande parte da população acha que assuntos importantes não são abordados (adequadamente) pelas elites políticas. Isto criou um amplo descontentamento, o que é terreno fértil para partidos populistas.
Em segundo lugar, as elites políticas nacionais estão a ser cada vez mais vistas como sendo “todas iguais”. Novamente, a percepção é mais importante do que a realidade, embora as duas não sejam alheias uma à outra.
Em terceiro lugar, mais e mais pessoas vêem as elites políticas nacionais como essencialmente impotentes. Isto é em parte uma consequência do facto de, nas ultimas décadas, as elites políticas se terem envolvido numa das mais incríveis transferências de poder do palco nacional para o supranacional (ex: UE e FMI) e o extrapolítico (ex: bancos centrais e tribunais).
Em quarto lugar, a “mobilização cognitiva” fez com que a população se
tornasse mais culta e independente, o que também quer dizer mais
crítica e menos atenciosa no que diz respeito às elites políticas.
Receber mensagens contraditórias das elites políticas, que se afirmam
impotentes no caso de políticas impopulares (“os resultados da
UE/globalização/EUA”), mas em controlo total no caso de políticas
populares (“as minhas bem-sucedidas políticas económicas”), faz com que
as populações europeias se sintam confiantes em sentenciar os seus
políticos como incompetentes ou até mesmo enganadores.
Em quinto lugar, a estrutura dos media tem-se tornado muito mais
favorável aos desafiadores políticos. Num mundo dominado por
independentes, media privados e uma internet incontrolável, todas as
histórias e vozes encontram eco, e as histórias e vozes populistas são
especialmente atraentes para uns media dominados pela lógica económica.
Em sexto e último lugar, embora os factores anteriores tenham cria-do um
terreno fértil e uma “estrutura de oportunidade discursiva” favorável
para populistas, o sucesso dos partidos populistas está também
relacionado com o facto de os actores populistas se terem tornado mais
“atraentes” para os votantes (e os media). Quase todos os mais
bem-sucedidos partidos populistas possuem pessoas habilidosas no topo,
como os líderes media-savvy Beppe Grillo (M5S), Pablo Iglesias (Podemos) e Geert Wilders (PVV).
No contexto das democracias contemporâneas ocidentais, o populismo
deve ser visto como uma resposta iliberal aos problemas criados pelo
liberalismo antidemocrático. Ao criticarem a tendência, que dura há
décadas, de despolitizar assuntos controversos colocando-os fora do
domínio democrático (i.e. eleitoral), tal como transferi-los para
instituições supranacionais, como a União Europeia, ou instituições
(neo)liberais, como tribunais ou bancos centrais, os populistas pedem a
repolitização de assuntos como a austeridade, a integração europeia, os
direitos gay e a imigração.
Artigo do especialista Cas Mudde.
Fonte: https://www.ffms.pt/artigo/1608/populismo-a-ocidente
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