Diretiva europeia de direitos de autor: internet não acaba, mas pode mudar muito

Os artigos 11.º e 13.º da diretiva comunitária sobre os direitos de autor levantam ameaças à liberdade de expressão digital e ao acesso à informação. Esperamos que a proposta seja alterada antes da votação final.

Vários YouTubers portugueses colocaram a discussão na agenda nacional: a internet corre o risco de desaparecer por causa dos artigos 11.º e 13.º da diretiva comunitária sobre os direitos de autor? O debate ultrapassa as fronteiras nacionais, havendo mesmo uma petição online, Save the internet, com mais de 4 milhões de assinaturas.
A proposta de diretiva, que vai a votos no Parlamento Europeu este mês, visa adaptar os direitos de autor ao mercado digital, promover a criatividade e criar formas mais equilibradas de garantir o respeito pelo copyright. Infelizmente, fá-lo criando restrições ao carregamento e à partilha de conteúdos em plataformas como o YouTube, Facebook, Twitter e Instagram.
Os objetivos da diretiva são positivos, mas a sua aplicação prática é uma incógnita.
  • Os YouTubers ficam proibidos de usar músicas de terceiros nos seus vídeos, a menos que paguem direitos de autor?
  • As montagens com fotografias de famosos não poderão ser publicadas, a menos que as plataformas confirmem que o copyright foi respeitado?
  • A foto de uma pessoa com uma t-shirt cuja marca é reconhecível pode ser publicada nas redes sociais sem o conteúdo ser bloqueado?
  • Os mecanismos de Inteligência Artificial (IA) são capazes de monitorizar, de forma realista, o cumprimento das regras, conforme propõe a diretiva comunitária?
Consideramos que a atual proposta é vaga, levanta ameaças ao mercado único digital, à liberdade de expressão digital e ao acesso à informação. Além disso, em vez de favorecer os criadores, a diretiva beneficia as entidades de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos, as produtoras cinematográficas e os editores. Esperamos que a proposta seja alterada pelo Conselho Europeu antes da votação final.

Artigo 11.º e o “imposto dos links”

O artigo 11.º prevê o direito de as empresas que produzem conteúdos noticiosos receberem uma compensação financeira pela partilha da sua informação em plataformas profissionais de media. Este artigo, apelidado como “imposto dos links”, não abrange, em princípio, os cidadãos comuns que partilhem links de notícias. Exclui também os bloggers, desde que sejam considerados utilizadores privados, e não profissionais de publicações. Mas, com base na nossa leitura do artigo 11.º, julgamos que serão considerados “profissionais” os utilizadores (bloggers, YouTubers, empresas, etc.) com contas digitais rentabilizadas (que recebam dinheiro consoante as visualizações). Serão os mecanismos IA a fazer a triagem entre utilizadores privados e profissionais.
O alvo a abater neste caso parece ser a plataforma Google News, com o objetivo de obrigar a gigante norte-americana a procurar o correspondente licenciamento dos conteúdos noticiosos que disponibiliza.
Na última revisão da diretiva foram introduzidas algumas exceções à partilha de links (nomeadamente os bloggers). Porém, o problema central não ficou resolvido, pois manteve-se a criação de uma licença numa área onde já existem regras de copyright. Consideramos que as limitações trazidas pelo artigo 11.º poderão restringir a liberdade de expressão digital e o acesso à informação pelo público.

Artigo 13.º cria um filtro de uploads

Segundo o artigo 13.º, as plataformas agregadoras de conteúdos carregados pelos utilizadores - YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, entre outras - terão de criar mecanismos para garantir que os conteúdos respeitam as regras de copyright. Caso contrário, essas plataformas poderão ser processadas.
Assim, antes de disponibilizar um vídeo, o YouTube, por exemplo, terá de analisar se o conteúdo inclui imagens ou músicas de terceiros e, em caso afirmativo, se os direitos de autor foram pagos. Até serem feitas todas as confirmações, o conteúdo fica bloqueado.
Embora a diretiva tenha deixado cair as referências à criação de filtros, na prática, o artigo 13.º obriga as plataformas a filtrarem os conteúdos. Isto terá implicações ao nível dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Esta filtragem deverá ser feita por mecanismos de IA que devem ser desenvolvidos pelas plataformas de conteúdos. Porém, o facto de a liberdade de expressão estar dependente de sistemas de filtragem automáticos, baseados em IA, é preocupante. Acreditamos que estes sistemas falham na capacidade de perceber a diferença entre casos de paródia (como os memes), citações permitidas, remisturas, etc.
Nota ainda para o facto de o artigo 13.º e a diretiva não incluírem uma exceção categórica para a utilização criativa de obras sujeitas a direitos de autor, como é o caso dos memes (uma situação que há muito é tida como garantida pelos consumidores digitais). Os memes até podem continuar a existir. Porém, a proposta deveria ser mais clara sobre o assunto.

Mecanismos de reclamação são insuficientes

Os mecanismos de reclamação propostos pela diretiva são insuficientes e os tempos de resposta dificilmente serão cumpridos dentro de um prazo razoável. Sobretudo porque há casos de difícil julgamento. Como um mecanismo de IA pode avaliar a ténue linha entre o que é lícito ou ilícito?
O mais provável deverá ser a suspensão provisória dos conteúdos, até que as plataformas apurem os argumentos apresentados pelos criadores. Isso pode mudar a face da internet como a conhecemos, considerando que se trata de um meio que vive da atualidade e do imediatismo.

Fonte: https://www.deco.proteste.pt/tecnologia/telemoveis/noticias/diretiva-europeia-de-direitos-de-autor-internet-nao-acaba-mas-pode-mudar-muito

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