A crise do Euro e o défice democrático na Europa
- A crise do Euro e o agravar do problema do défice democrático europeu
- O perene problema do défice democrático europeu
- O agravamento do défice democrático europeu durante a crise do euro
José Ignacio Torreblanca (2014, pp. 63-80), por seu lado, fala-nos de um «estado de exceção tecnocrático», na senda da crise do euro, ou seja, fala-nos de mutações para-constitucionais de largo espectro, quer na UE, quer nos Estados, decididas em regra nas costas dos cidadãos e sem que os passos de gigante rumo a uma federação económica, de facto, sejam combinados com uma «união política», ou seja, sem que haja perspetiva de (maior) legitimação democrática dessa federação económica (com muito fraco pedigree democrático). Segundo o autor, vários elementos ilustram este «estado de exceção tecnocrático». Primeiro, a formação de governos supostamente técnicos e independentes de orientações políticas, sobretudo em matéria de política económica e financeira, seja selecionando técnicos de instituições bancárias para os liderar ou para ter neles um papel de relevo (recorde-se Vítor Gaspar, em Portugal, por exemplo), seja através de governos de unidade nacional, seja incentivando a oposição a apoiar o governo do dia nas questões fundamentais (como foi o caso em Portugal), impedindo-a de ser isso mesmo. Foi assim na Grécia, em Itália e em Portugal, por exemplo. Segundo, secundarizando as eleições com mecanismo essencial para se mudar de políticas: as mudanças de governo não deveriam poder mudar o rumo essencial das políticas económicas (de orientação neoliberal e austeritária). Terceiro, colocando os parlamentos (e governos) nacionais a legitimar (e a aplicar) ex-post as orientações gizadas nas instituições europeias (amiúde tecnocráticas). Quarto, numa verdadeira mutação constitucional decidida nas costas dos cidadãos e não legitimada democraticamente (ex-ante ou ex-post), os parlamentos e os governos nacionais perderam poderes em áreas cruciais (orçamentos, fiscalidade, mercado de trabalho, pensões – vide por exemplo o chamado «semestre europeu») para as instâncias europeias, sem que estas últimas tenham recebido qualquer suplemento de legitimação democrático (ao seu já de si baixo ou nulo pedigree democrático), e sem que tenha havido um verdadeiro debate democrático (aberto, transparente e participado) sobre este processo.
- Da necessidade de democratizar a Europa e de um europeísmo crítico
Já antes da crise do euro, a Europa não cumpria as
regras básicas do governo do povo (demo e cratos) nas suas três vertentes essenciais (Torreblanca, 2014), ou seja, não permitindo à cidadania eleger verdadeiramente entre alternativas quanto, primeiro, à politeia (isto é, quando à forma de governo), preocupando-se mais a Europa com o cumprimento de regras (do défice, da divida, etc.) do que com os objetivos finais da política (criação de riqueza, de emprego, etc.), nomeadamente em matéria de política económica e financeira. Segundo, a fraca democraticidade de muitas instituições europeias leva a que a cidadania não possa também «eleger» os políticos (amiúde substituídos por tecnocratas) que devem governar a polis (europeia) e, por essa via, temos no máximo uma «governança» (tecnocrática) mas não um governo democrático ao nível da UE. Terceiro, as restrições europeias impostas aos governos e parlamentos nacionais (em matéria de políticas económicas e financeiras, mas também fiscais, nos mercados de trabalho, nas pensões, etc.), a que se soma a frequente política da «grande coligação», levam a que a que os cidadãos não possam efetivamente escolher entre diferentes e distintos pacotes de políticas públicas. E tudo isto se agravou muitíssimo com a chamada crise do euro, já para não falar da falta de eficácia das políticas existentes. Daqui decorre a necessidade de democratizar a Europa e de um «europeísmo crítico», ou seja, generoso com o interesse geral europeu para «construir uma Europa que nos sirva a todos», mas também crítico porque não transige com o mau governo europeu nem com a sua captura por países e/ou interesses setoriais.
Saído origjnalmente no Jornal de Letras, coluna «heterodoxias políticas», quinzena começada em 10-4-2018.
Referências bibliográficas
Freire, André (organizador) (2015), O Futuro da representação política democrática, Lisboa, Nova Vega.
Gaspar, Carlos (2017), A Balança da Europa, Lisboa, Alêtheia.
Hennette, Stéphanie, et al (2017), Por um Tratado de Democratização da Europa, Lisboa, Temas & Debates.
Torreblanca, José Ignacio (2014), Quién gobierna en Europa? Reconstruir la democracia, recuperar a la ciudadania, Madrid, Catarata.
Fonte: http://avacavoadora.pt/a-crise-do-euro-e-o-defice-democratico-na-europa/
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